Resenha de Tânia Souza
De um lugar frio e solitário, Robert Walton escrevia a sua irmã Margareth. Primeiro contando suas aventuras em busca de uma passagem para o Pólo Norte, para, por fim, entregar-lhe uma narrativa tão estranha e fascinante, que poderia encher de sombra os corações mais puros. Naquele universo de gelo e névoas, Walton salvara da morte um homem chamado Victor Frankenstein. Alternando estados de insanidade, melancolia, doçura e profundo conhecimento da vida, este lhe causa forte impressão. “Estranha e angustiante deve ser a história da tormenta que desabou sobre essa vida, levando-a ao naufrágio.” Quando enfim o naufrago conta sua história, é por meio das cartas de Walton a Margareth que se têm início a narrativa da saga de Victor Frankenstein.
Quais teriam sido os sentimentos daquela jovem a cada missiva que lhe chegava? Teria ela se preparado para o sentimento de pesar e pavor, como nós, leitores, nos preparamos ao ler como Mary Shelley, a autora, descreveu o momento de puro horror que sentiu quando imaginou criador e criatura que dariam origem a uma das mais sombrias histórias da literatura fantástica?
Mary Shelley, desafiada a escrever um conto sombrio e fantasmagórico, deu vida a um cientista e sua criatura, sua obsessão, seus sentimentos e escolhas, ações tão complexas cujas conseqüências arrastariam com ele - num turbilhão de angústia, morte, consciência, vingança e dor - todos os ideais, a moral e os seres que mais amara.
Victor Frankenstein era jovem, acreditava na ciência e no progresso. Ah, a ciência, o moderno Prometheus do título buscando o fogo sagrado do conhecimento, desejoso de “roubar” o dom de criar a vida. Era curioso, ousado, não teve medo, não teve pudor e, obcecado por sua experiência, rompeu limites enquanto sonhava a imortalidade para o homem. Victor Frankenstein desejava vencer a morte.
“Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo (...). Ressurreição! Sim, isso seria nada menos que o poder de ressurreição.”
E ele o fez. Criou a vida a partir de matéria morta. Mas ao conseguir, se revelou fraco, amoral e medroso. Ao criar a vida e com ela, uma das criaturas mais comoventes e sombrias da literatura universal, simplesmente fugiu. A criatura, que posteriormente seria conhecida pelo nome do seu criador, não trouxe consigo a beleza, e justamente essa ausência do belo a tornaria horrenda aos olhos dos homens, uma presença do “feio” que despertava reações de agressão e perseguições. No entanto, era sensível, sofria, aprendeu sozinha as lições que o mundo lhe deu.
“Eis que, terminada minha escultura viva, esvaía-se a beleza que eu sonhara, e eu tinha diante dos olhos um ser que me enchia de terror e repulsa.”
O “monstro” gigantesco e horrendo, apresenta-se de forma complexa, alterna comportamentos de mais pura bondade e desejo de aceitação para, com a rejeição da sociedade, desenvolver um comportamento cruel e vingativo.
(...) ferido pelas pedras e toda sorte de objetos, que me arremessavam, fugi para o campo aberto e, cheio de medo, busquei refúgio numa cabana acachapada.
Assim como Victor, que ora nos convence e até comove a ponto de ter a simpatia do leitor, por vezes nos enerva e causa revolta, a criatura nos assombra, nos enche de melancolia e espanto. Estes dois personagens não são planos, Mary Shelley os fez de forma que podem nos levar a sentimentos opostos em poucas linhas.
Também eu posso criar desolação! O que me fizeram com a vida, pago com a morte. Meu inimigo não é invulnerável. Esta morte há de causar-lhe desespero, e mil outras desgraças o atormentarão até destruí-lo.
Criador e criatura, quem seria de fato o monstro? Não posso negar que me fiz essa pergunta algumas vezes durante a leitura.
Em relação à estrutura narrativa, o texto apresenta trechos muito descritivos em certos momentos, principalmente nas descrições de paisagens. Mesmo reconhecendo o interessante recurso de inter-relacionar os sentimentos dos personagens com a paisagem, torna-se cansativo.
Já o foco narrativo com predomínio do gênero epistolar foi um recurso muito bem aproveitado pela autora. A narrativa epistolar não afasta o leitor, ao contrário, em vários momentos o narrador alterna-se, Walton é o narrador testemunha, mas ele transfere esse papel narrativo a Victor, depois, em um dos momentos mais comoventes do livro, à própria criatura. Finalmente, Walton retoma o foco narrativo, mas é esse recurso que permite à história ser contada dentro de outra e vários pontos de vista serem expostos.
Ler Frankenstein é rever o sonho da imortalidade, questionar o poder e o alcance da ciência, o preço do conhecimento e a as conseqüências de se romper com o que chamamos de ética e moral para a humanidade.
Mas é também uma história de buscas, de superação, de conhecimento, de vencer a solidão. Uma narrativa para se comover, se revoltar, se emocionar. Porque é literatura, e literatura não precisa ser racional, precisa apenas inquietar e isso, Frankenstein de Mary Shelley o faz muito bem.
Título Original: Frankenstein or the Modern Prometheus
Editora: Martin Claret
Tradução de Pietro Nassetti
N° Páginas: 208
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O Clube do Livro é um evento mensal, uma reunião dos sites À Litfan, Arena Fantástica, Blog das Resenhas, Café de Ontem e Mundo de Fantas para ler e comentar uma única obra. A livro escolhido para primeira leitura foi Frankenstein, de Mary Shelley, um clássico da literatura universal. Visite os outros sites e conheça as diferentes leituras.
6 comentários:
Gostei da ideia do Clube do Livro entre blogs, espero que muitos outros venham.
Sua resenha tá massa, mocinha! ^.^
Inquietante, sem dúvida, e muito visionário também. Shelley soube prever muito do que seria assunto em termos de ciência e ética em nossos tempos. Bela resenha, T.
Obrigada criaças, muito bom participar desse grupo com vocês!!! E adorei as resenhas!
Olá Tania!
Parabéns pelo lindo blog!
Gostei muito das postagens. são bem interessantes! Gostaria de convidá-la para visitar meu cantinho onde exponho contos e poemas fantásticos: susyramone.blogspot.com
Espero que goste.
Bloody Kisses!
Que honra com sua visita mais uma vez!
obrigada. Volte sempre ao Red Rose!
Bloody Kisses
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