Sem opções, abriu o leque vermelho. Outra cabeça rolou naquela noite. Gotas de sangue brincaram nas pontas do leque e Camila as lambeu, provocando uma expressão de asco em Baltazar.
- Você e seus escrúpulos - ela divertiu-se por um momento e depois, tomando cuidado para não se deixar tocar, borrifou a mistura de água benta e alho sobre os corpos restantes, que se dissolveram.
Georgette Silen, que já enveredou pelo universo vampiresco no excelente Lázarus, retorna ao tema em Apenas uma taça - Um brindo ao mestre Stoker.
Em 15 contos e noveletas, os mais variados vampiros são representados.
Dos seres mitológicos relatados pelos diferentes povos - e que serviram
de base para o clássico monstro criado pelo mestre Stocker - até
chegarmos ao “vampiro moderno”, o herói romântico e sedutor, que sofre
pela humanidade perdida e tenta, a todo custo, ajustar-se entre os
mundos. Em comum, a eterna sede pelo sangue que carrega a vida que não
possuem mais.
Esta é a capa definitiva, divulgada nos últimos dias pela Editora Estronho. Mais uma vez, a Estronho arrasou na capa: sombria, sensual e sugestiva, tem na figura feminina a representação da sede, da paixão e das sombras que marcam o mito. O lançamento será durante o Fantasticon 2011.
Esta é a capa definitiva, divulgada nos últimos dias pela Editora Estronho. Mais uma vez, a Estronho arrasou na capa: sombria, sensual e sugestiva, tem na figura feminina a representação da sede, da paixão e das sombras que marcam o mito. O lançamento será durante o Fantasticon 2011.
O livro tem prefácio de Jr. Cazeri, e o moço do Café de Ontem alerta: "do poético ao pulp, Georgette Silen dá um novo fôlego para um tema que não estava cansado, apenas desgastado pela falta de imaginação." Pois é justamente o aspecto inovador que despertou minha curiosidade.
Conversei com Georgette Silen e ela, gentilmente, concordou em falar um pouco mais do processo de escrita desse livro. O resultado você confere aqui, um papo muito agradável sobre escrita, influências e, claro, vampiros. Meu muito obrigada a essa autora talentosa, e muito querida da LitFan nacional. Espero que os leitores do blogue gostem tanto quanto eu gostei.
À LitFan – Como surgiu o seu interesse pela literatura fantástica?
Georgette Silen - Olá Tânia, é um
prazer conversar com você nesse seu espaço tão especial. ^^ Obrigada pela
oportunidade de bater um papo com o pessoal que acompanha seu blog. Bem, pela
literatura fantástica eu já me interessava mesmo antes de saber o que ela era,
e acredito que isso acontece com muitas pessoas. Afinal, todos nós já lemos
algum conto de fadas na infância, alguma história da carochinha ou fábula
maravilhosa, sem nos darmos conta de que elas fazem parte desse universo de
fantasia fantástica. Crescemos lendo, contando e recontando as mesmas histórias
centenas de vezes. Quando decidi começar a escrever narrativas, percebi de
imediato que a fantasia iria nortear meus trabalhos, que era pelo que eu me
interessava de imediato, e não lutei contra essa vontade, ao contrário, abracei
com ambos os braços, todos os dedos e todas as idéias que tive. E ainda
pretendo ver aonde a fantasia irá me levar.
À LitFan - “Apenas uma taça - um brinde ao
mestre Stoker” será lançado oficialmente no Fantasticon 2011. Poderia nos
falar um pouco mais sobre este trabalho?
Georgette Silen - Vou deixar aqui
alguns trechos do texto de apresentação do livro, que escrevi para o mesmo,
acho que ele fala bem sobre a obra: ^^
“Quando pensamos
em vampiros, imediatamente nos vêm à mente uma primeira palavra: Drácula. E
depois que a imagem mental e sugestiva do vampiro romeno, criado por Bram
Stoker em 1897, se instala em nosso cérebro, outras referências vão se
acumulando e descortinando a imensa variedade de tipos e arranjos sofridos pelo
mito ao longo dos séculos para se ajustar e atender a uma demanda de fãs e
apaixonados por todo o mundo. Hoje, além do monstro amaldiçoado por Deus que
rasga gargantas e suga virgens indefesas, se transmuta em névoa e lobos,
sensível aos ícones cristãos, temos também o noturno romântico, sedutor, que
apresenta uma constante crise de identidade, fazendo-o ser um pária entre dois
mundos distintos; pode ou não estar do lado dos mocinhos da história, — ou ser
ele mesmo o herói não compreendido— pode caminhar sob a luz do sol (mesmo que
brilhe) e arrastar multidões de leitores de diversas idades. Adultos,
adolescentes, mulheres... Ninguém está imune totalmente ao encanto mortal, e
imortal, de um vampiro. O apelo comercial do mito alcançou as telas de cinema,
os seriados de TV, os jogos eletrônicos, as HQs e RPGs, as inúmeras publicações
sobre o tema e até as passarelas da moda. Criou uma tendência adotada por
muitos. Um estilo de vida.
Mas em nenhum
momento podemos negar que essa invasão
sanguessuga começou de forma concreta com o irlandês Stoker. Ao utilizar-se
de mitos folclóricos e figuras históricas para criar uma fantasia urbana em
pleno século XIX, antes mesmo desse termo ter sido cunhado pelos críticos em
literatura, acabou desencadeando com o tempo uma onda de fascínio nos leitores
e se mostra tão imortal quanto o próprio mito.
Vampiros existem
na literatura, desde então, para todos os gostos e paladares (sim, é um ato
antropofágico o consumo desse personagem), e a tendência é que continue a nos
surpreender com suas variações, afinal, ele começou como tal. Stoker deu o
pontapé ao abrir caminho para outros ficcionistas explorarem a criatura,
dando-lhes as mais variadas dimensões e deixando tantas marcas na alma dos
leitores quanto nos pescoços mordidos (...) por suas criações, desde os
monstros impiedosos até os mais apaixonantes noturnos. O caldo sangrento é
muito espesso.
Como regra
geral, o vampiro conquista pela sedução. Erótica? Sim, até certo ponto. Mas o
que nos lança de braços abertos e pescoços desvelados para o deleite dos
senhores da noite é, sem dúvida, a perspectiva da imortalidade. Ludibriar a
morte faz parte da mais secreta fantasia de todo ser humano, ser imune ao seu
toque, vencer o tempo, torná-lo incapaz de exercer seu poder sobre a frágil
casca humana. Vampiros podem fazer isso, vampiros enganaram a senhora da foice.
E enquanto houver vida e morte, os vampiros jamais deixarão de nos iludir com a
promessa de um sonho inatingível, mas ansiado.
Essa coletânea
de contos e novelas foi reunida procurando explorar, em diferentes nichos e
tendências literárias, aspectos que tornaram o vampiro tão essencial e mágico
aos olhos dos leitores. Sexualidade, amor, terror, traição, corrupção, inocência,
entre muitos sentimentos humanos fortemente ampliados nos seres da noite, ou
ausentes deles, podem ser conferidos. Há vampiros bons e há aqueles que não
enxergam o homem como nada mais além de um bife no prato, uma refeição em
potencial, e outros nem ao menos se reconhecem como vampiros, ausentes e
presentes de uma realidade não compreendida. Foram escritos ao longo de dois
anos e meio, entre pesquisas de mitos folclóricos ligados ao vampirismo na
história da humanidade — e que diferem e muito dos exemplos românticos e
humanos tão conhecidos — e também apresenta dois contos inéditos do universo do
livro Lázarus, escrito por mim e lançado em 2010 pela editora Novo
Século.
Minha admiração
por Stoker, que acabou se refletindo de forma inusitada no título desse livro
sugerido pelo editor M. D. Amado, se deve ao fato de ele ter aberto essas
portas com sua obra. Os vampiros, antes e depois de Stoker, jamais foram os
mesmos, e graças a sua inventividade eles continuam evoluindo, ou retomando
suas raízes, para nos brindar com cada vez mais histórias extraordinárias,
repletas de sangue, paixões e terrores.
À LitFan - Quando o leitor abre as páginas de
um livro, normalmente, o fascínio é pela narrativa em si. Pouco se sabe do trajeto percorrido pelo
autor/autora. E muitas vezes, as pesquisas, as influências, o tempo de escrita
e outros elementos que tenham surgido durante a concretização do projeto formam
um conjunto bem interessante. Pensando nisso, À LitFan quer saber: como foi o
processo de escrita desse livro?
Georgette Silen - Em verdade, esse
livro não foi “pensado” a princípio como um livro. Foram contos e noveletas
soltas, escritas ao longo de dois anos e meio. Enquanto eu me concentrava na
elaboração de Lázarus, algumas ideias soltas iam surgindo com determinados
mitos pesquisados e eu aproveitava para colocar no papel, até como exercício de
linguagem. Muitos dos contos desse período são do universo do livro Lázarus,
com seus personagens que o leitor reconhecerá de imediato, mas outros acabaram
surgindo, como o Caçador de Deus, Scarlet Camila, Virgil, que agora entraram
para a esfera de personagens que começam a ter mais histórias, como numa
galeria cativa de personagens que me inspiram todos os dias.
A trilha sonora
foi a mais variada possível: Sting, Metallica, clássicos, trilhas sonoras de
filmes épicos e de terror. Vi muitos filmes clássicos, como Drácula; pesquisei
em livros como A Grande Enciclopédia dos Vampiros e nas páginas do Google
(claro), reli muitos gibis antigos da Kripta e outros que tenho guardado há
décadas sobre o mito, adaptações para HQs de Drácula, originais de Vampirela e
muito outros, e procurei ler cross overs de vampiros e personagens famosos,
procurando dar o tom certo para a fantasia urbana, quando necessário,
principalmente no caso do conto “Virgil”.
Uma viagem
deliciosa, devo confessar.
Quando o editor
M.D. Amado, então ainda apenas escritor e dono do site Estronho e Esquésito,
soube que eu tinha esse material, ele fomentou a ideia de lançar em livro, e
então, ao montar a editora, ele me fez o convite para viabilizar esse projeto.
À LitFan - Em várias culturas, o mito do
vampiro tem alguma presença. Quais foram os mais sombrios ou estranhos encontrados em suas pesquisas? No livro, estão representados em algum conto?
Georgette Silen - Sim, achei muita
coisa inusitada e impensada para mim, que cresci acostumada com o mito do
vampiro ocidental, do Nosferatu e o Drácula. Na verdade, os mitos de seres que
se alimentam do sangue e força vital dos humanos são muito antigos, remontam a
idade da pedra, e temos vários tipos de criaturas que representam os medos
primordiais dos povos onde foram criados, inclusive personificados com detalhes
apenas comuns a esses povos que os definiram como mito. Você não vai encontrar,
por exemplo, traços do Asanbosan africano na mitologia vampírica da Europa,
porque ele foi “criado” de acordo com os padrões geográficos, religiosos e
antropológicos de determinadas sociedades tribais africanas. Ele é o que é para
esses povos porque faz parte da psique de uma sociedade definida. Cada povo
cria um mito para explicar suas deficiências, aquilo que não é capaz de definir
por explicações racionais, apelando para o alegórico da questão. Dessa forma,
tipos de criaturas noturnas das Filipinas e outros países, muitas vezes de
baixa condição sócio-econômica, explicavam índices alarmantes de mortalidade
infantil, de morte no parto, e outras fatalidades inexplicáveis, atribuindo aos
Aswangs, Baitals, Adzes e incubus pelos seus infortúnios. E mesmo entre
clérigos da Idade Média, por exemplo, era natural justificar poluções noturnas
e sonhos eróticos como produto de súcubos sedutores, vampiras que sugavam
energia sexual, cabendo assim ao maligno a culpa por ações de uma mente privada
da condição de saciar sua fome e apetite sexuais naturais.
Quanto à
presença desses mitos diferenciados no livro, sim, o leitor encontrará
histórias, como “O Beijo do Loogaroo” “A Asa Negra da Morte” e “O Cântico do
Súcubo” onde tais mitos pouco convencionais são explorados em suas minúcias,
expondo uma realidade que é bem pouco conhecida de muitos ávidos leitores de
histórias vampíricas.
À LitFan - Há algum conto ou noveleta que
seja o seu favorito no livro? Por qual razão?
Georgette Silen - Bem, são 15 contos e
noveletas, e cada uma delas foi especial, sem dúvida. Gosto muito do “Minha
Bela Adormecida”, um conto mais “Anne Rice”, que escrevi ouvindo Bourbon Street, do Sting, influenciada
pelo clima de Entrevista com o Vampiro. Também gosto da linguagem mais técnica
de “O Colecionador de Ossos”, da poesia de “Uma Canção para Homero” e “Uma
prece para Clementine”, ambos contos que fazem parte do universo de Lázarus, e
também pelo “O Cântico do Súcubo” um dos mais sensuais do livro. Acredito que
eles revelam muito da pesquisa sobre mitos de vampiros e sobre o caráter
multifacetado do mito. Espero que o leitor aprecie esses trabalhos e os outros
que serão expostos.
À LitFan - Esta não é a primeira vez que
você explora o tema na literatura, então, qual o grande fascínio dessas
criaturas? Por que escrever sobre vampiros?
Georgette Silen - A minha pergunta
seria: como não escrever sobre eles? Vampiros são o que há de mais misterioso,
assustador, sedutor e paradoxal na literatura fantástica e na mitologia dos
povos. Tememos fantasmas, tememos lobisomens, tememos outros monstros, mas
sempre ficamos na dúvida quando pensamos: tememos os vampiros, ou gostaríamos
de ser como eles? (claro, dentro da visão ocidental romântica do personagem). Afinal,
eles têm aquilo que almejamos em segredo: vencer a morte. O preço é alto, todos
o conhecem, mas ainda sim acalentamos uma forma de justificar os meios pelos
fins, de achar que valeria a pena, de nos enganarmos em princípio com a ideia
de que “não seria assim tão ruim”, afinal, não morrer é o maior sonho do homem,
fugir da inexistência enquanto criatura terrena. Isso o vampiro conseguiu, pois
por mais que se fale nele, que se escreva sobre ele, ainda existe assunto,
ainda há história, e sua imortalidade reside nisso.
Para saber mais
Página da autora no Skoob: Georgette Silen
Twitter: @georgettesilen
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